$TotalRegistrosAcesso = "1"; $TotalRegistrosAcesso = "1";

Best Audio Books

advertising

A Água de Janos

{Artur Azevedo}
[Language: pt_br]
advertising
Lembrou de alguém? Compartilhe!

Contos volume 2 (Artur de Azevedo)

A Água de Janos

I
O Tenente de Cavalaria Remígio Soares teve a infelicidade de ver uma noite dona Andréa num camarote do Teatro Lucinda, ao lado de seu legítimo esposo, e pecou, infringindo impiamente o nono mandamento da lei de Deus.

A "mulher do próximo", notando que a "desejavam", deixou-se impressionar por aquela farda, por aqueles bigodes e por aqueles belos olhos negros e rasgados.

Ao marido, interessado pelo enredo do dramalhão que se representava, passou completamente despercebido o namoro aceso entre o camarote e a platéia.

Premiada a virtude e castigado o vício, isto é, terminado o espetáculo, o tenente Soares acompanhou a certa distância o casal até o largo de São Francisco e tomou o mesmo bonde que ele - um bonde do Bispo, - sentando-se, como por acaso, ao lado de dona Andréa.

>Dizer que no bonde o pé do tenente e o pezinho da moça não continuaram a obra encetada no Lucinda - seria faltar à verdade que devo aos meus leitores. Acrescentarei até que, ao sair do bonde, na pitoresca rua Malvino Reis, dona Andréa, com rápido e furtivo aperto de mão, fez ao seu namorado as mais concludentes e escandalosas promessas.

Ele ficou sabendo onde ela morava...

II
O Tenente Remígio Soares foi para casa, em São Cristóvão, e passou o resto da noite agitadíssimo, - pudera! Às dez horas da manhã atravessava já o Rio Comprido ao trote do seu cavalo!

Mas - que contrariedade! - as janelas de dona Andréa estavam fechadas...

O cavaleiro foi até a rua de Santa Alexandrina e voltou - patati, patatá, patati, patatá! - e as janelas não se tinham aberto...

O passeio foi renovado à tarde - o tenente passou, tornou a passar, - continuavam fechadas as janelas...

Malditas janelas!

Durante quatro dias o namorado foi e veio a c
avalo, a pé, de bonde, fardado, à paisana: nada! Aquilo não era uma casa: era um convento!

Mas ao quinto dia - oh, ventura! - ele viu sair do convento um molecote que se dirigia para a venda próxima. Não refletiu: chamou-o de parte, untou-lhe as unhas e interpelou-o.

Soube nessa ocasião que ela se chamava Andréa. Soube mais que o marido era empregado público e muito ciumento! Proibia expressamente a senhora sair sozinha e até chegar à janela quando ele estivesse na rua. Soube, finalmente, que havia em casa dois Cérberos: uma tia do marido e um jardineiro muito dedicado ao patrão.

Mas o providencial moleque nesse mesmo dia se encarregou de entregar a dona Andréa uma cartinha do inflamado tenente, e a resposta - digamo-lo para vergonha daquela formosa desmiolada - a resposta não se fez esperar por muito tempo:

"Pede-me uma entrevista, e não imagina como desejo satisfazer a esse pedido, porque também o amo. Mas uma entrevista como?... onde?... quando?... Saiba
que sou guardada à vista por uma senhora de idade, tia dele, e por um jardineiro que lhe é muito dedicado. Pode ser que um dia as circunstâncias se combinem de modo que nos possamos encontrar a sós... Como há um Deus para os que se amam, esperemos que chegue esse dia: até lá, tenhamos um pouco de paciência. Mande-me dizer onde de pronto o poderei encontrar no caso de ter que preveni-lo de repente. O moleque é de confiança."

Na esperança de que o grande dia chegasse, o Tenente Remígio Soares mudou-se imediatamente para perto da casa de dona Andréa: procurou e achou um cômodo de onde se via, meio encoberta pelo arvoredo, a porta da cozinha do objeto amado. Dessa porta dona Andréa fazia-lhe um sinal convencionado todas as vezes que desejava enviar-lhe uma cartinha.

III
Diz a clássica sabedoria das nações que o melhor da festa é esperar por ela.

Não era dessa opinião o tenente, que há dezoito meses suspirava noite e dia pela mulher mais bonita de todo aquele
bairro do Rio Comprido, sem conseguir trocar uma palavra com ela!

O namorados, graças ao molecote, correspondiam-se epistolarmente, é verdade, mas essa correspondência, violenta e fogosa, contribuía para mais atiçar a luta entre aqueles dois desejos e aumentar o tormento daquelas duas almas.

IV
Os leitores - e principalmente as leitoras - me desculparão de não pôr no final deste conto um grão de poesia; tenho de conclui-lo um pouco à Armand Silvestre. Em todo caso, verão que a moral não é sacrificada.

O meu herói andava já obsedado, menos pelo que acreditava ser o seu amor, que pelos dezoito meses de longa expectativa e lento desespero.

Um dia, o Barroso, seu amigo íntimo, seu confidente, foi encontrá-lo muito abatido, sem animo de se erguer da cama.

— Que tens tu?

— Ainda mo perguntas...

— Tem paciência: Jacob esperou quatorze anos.

— Esta coisa tem-me posto doente. Bem sabes que eu gozava uma saúde de fer
ro... Pois bem, neste momento a cabeça pesa-me uma arroba... tenho tonteiras!...

— Isso é calor: a tua Andréa não tem absolutamente nada que ver com esses fenômenos patológicos. Queres um conselho? Manda buscar ali à botica uma garrafinha de água de Janos. É o melhor remédio que conheço para aliviar a cabeça.

O tenente aceitou o conselho, e o Barroso despediu-se dele depois que o viu esvaziar um bom copo da benemérita água.

Vinte minutos depois dessa libação desagradável, Remígio Soares viu assomar ao longe, na porta da cozinha, o vulto airoso de dona Andréa, anunciando-lhe uma carta.

Pouco depois entrava o molecote, entregava-lhe um bilhete escrito às pressas.

"A velha amanheceu hoje com febre e não sai do quarto. O jardineiro foi à cidade chamar um médico de confiança dela. Vem depressa, mal recebas este bilhete: há de ser já, ou nunca o será talvez."

O tenente soltou um grito de raiva: a água de Janos começava a produzir
os seus efeitos fatais; era impossível acudir ao doce chamado de dona Andréa!

Era impossível também confessar-lhe a causa real do não comparecimento: nenhum namorado faria confissões dessa ordem...

O mísero pegou na pena, e escreveu, contendo-se para não fazer outra coisa:

"Que fatalidade! Um motivo poderosíssimo constrange-me a não ir... Quando algum dia haja certa intimidade entre nós, dir-te-ei qual foi esse motivo, e tenho certeza de que me perdoarás."

Dona Andréa não perdoou. O Tenente Remígio Soares nunca mais a viu.

--- Provided by owpoga.com ---


Contos, volume 2

"O Tenente de Cavalaria Remígio Soares teve a infelicidade de ver uma noite dona Andréa num camarote do Teatro Lucinda, ao lado de seu legítimo esposo, e pecou, infringindo impiamente o nono mandamento da lei de Deus.

A "mulher do próximo", notando que a "desejavam", deixou-se impressionar por aquela farda, por aqueles bigodes e por aqueles belos olhos negros e rasgados.

Ao marido, interessado pelo enredo do dramalhão que se representava, passou completamente despercebido o namoro aceso entre o camarote e a platéia.

Premiada a virtude e castigado o vício, isto é, terminado o espetáculo, o tenente Soares acompanhou a certa distância o casal até o largo de São Francisco e tomou o mesmo bonde que ele - um bonde do Bispo, - sentando-se, como por acaso, ao lado de dona Andréa..."

Artur de AZEVEDO (1855 - 1908)

Artur de Azevedo foi um dos principais autores de teatro no Brasil do século XIX. Dando continuidade à obra de Martins Pena, consolidou a comédia de costumes brasileira, sendo no país o principal autor do teatro de revista, em sua primeira fase. Sua atividade jornalística foi intensa, devendo-se a ele a publicação de uma série de revistas, além da fundação de alguns jornais cariocas. Ficou também conhecido por suas crônicas e contos, sempre cheios de humor. Esta coleção é uma recolha de seus contos, publicados, em sua maior parte, no livro Contos Possíveis, de 1908;

Genre(s): Short Stories
Language: Portuguese
librivox.org

BEST AUDIOBOOKS { BaudBoo } Education [ Public Domain ] To listen & learn languages like a child.
FOLLOW: https://twitter.com/bestaudio_books
Play My Games : https://play.google.com/store/apps/dev?id=7396136443061298892

Donations : https://pag.ae/bchzq0M (PagSeguro)

#listen #Learn #listening #audiobooks #TYAB #audible #literature #audible #free #bestaudiobooks #Visuallyimpaired #visual #art #education
Autor: Artur Azevedo
Idioma: pt_br
298.540 
FecharX
NewsLetters
Espaço Publicitário



 
Owpoga
*® Este sistema e todo seu conteúdo estão protegidos pelas leis de direitos autorais (registro de programa de computador) 2015

Este site utiliza cookies para obter dados estatísticos da navegação de seus usuarios. Se continuar navegando consideramos que aceita seu uso.